sábado, 23 de janeiro de 2010

Legalize Já!



Matéria sobre a "Marcha da Maconha" produzida em maio de 2009, em Florianópolis - Publicada na revista "Pobres e Nojentas" e no portal bilingue "Desacato".
Acho que vale a pena recuperar...

Legalize Já!

Santa Maria, Pinta e Niña são os nomes das três caravelas de Cabral que vieram da Europa para o Brasil, quando da “descoberta”, em 1500. E assim também se nomina a “erva sagrada”, a maconha. Mas, muito antes de chegarem os invasores, os povos originários desta parte do sul do mundo, os Guarany, já conheciam a planta, a qual chamavam “timbó”. Hoje, os latinos a chamam de “marihuana” e, na Índia ela é a “ganja”. Livros antigos dizem que foi ali, naquele país, a beira do rio Ganjes, que ela foi trazida do astral para terra. A história conta que o deus “Shiva”, da santíssima trindade Indu, meditava com essa erva sagrada à beira do Ganjes e o bornal que trazia amarrado na cintura, cheio de sementes da “ganja”, furou. Elas então se espalharam pelas margens do rio e brotaram. A partir daí, essa planta milenar começou a se disseminar por todo o planeta.

Livre, solta e com alto poder curativo alcançou rapidamente todos os continentes. Tecido, cordas, combustível, alimento, quase tudo se podia fazer com ela. É uma planta que nasce espontânea, precisa de pouca água, poliniza-se apenas com o vento e se reproduz facilmente. Ainda pode curar, alimentar, produzir roupas, barcos e automóveis. Talvez por isso tenha recebido um dos nomes que mais lhe cai bem: “Santa Maria”, como é conhecida e tratada por muitos.

As velas das caravelas de Cabral: Santa Maria, Pinta e Niña (também nomes da planta), eram produzidas com a fibra de “cânhamo”, que é o macho da “ganja”. Pode-se dizer então que se não fosse por “ela” o Brasil nem teria sido “descoberto”.

Seu nome científico é “cannabis sativa”, mas vulgarmente também é conhecida como “maconha”. O último nome, hoje, assusta. E, provavelmente essa foi a intenção dos homens que, no passado, combateram a plantinha e a batizaram assim. Diz a história que foram os grandes empresários do petróleo e do nylon, que a viam como concorrente e uma séria ameaça aos seus negócios. Como a planta era muito versátil, começou uma batalha contra ela, e como é comum num sistema opressor, quem perde é sempre o lado mais fraco. A “santa” passou a ser criminosa. Ficou mal falada, vulgarizada, proibida e perseguida pela lei dos homens.

A erva também foi duramente combatida na época da contracultura, os anos 60. O movimento, que nasceu se contrapondo a guerra do Vietnã, pregava a paz, o amor livre e questionava todos os valores da sociedade capitalista. A maconha era usada como um elemento anti-sistêmico, justamente para questionar o desenvolvimentismo sem limites, a guerra, o progresso moderno. Por conta disso a erva ficou colada ao protesto anticapitalista. Logo, perigosa demais.

Mas, apesar do desejo dos empresários têxteis e do sistema em geral, livre por seu “poder divino”, a ganja perseverou, resistiu. Nos guetos, à margem, nas estradas de terra e nas vicinais. Subiu montanhas, morros, rompeu estruturas. Poetas, músicos, escritores, médicos, intelectuais, professores, pedreiros, motoristas, muitos a conhecem.

Ernesto Che Guevara bem dizia: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera”. Assim é com a ganja. Maria, da boca de todos, das “bocas de fumo”. Seu nome é cantado em reverência pelos “rastafaris”. Quem nunca ouviu uma música de Robert Nesta Marley, o Bob? "There's a natural mystic blowing through the air" - “Tem uma magia natural soprando pelo ar”.

No Brasil ela também foi cantada. Centenas de letras surgiram por sua inspiração. Hippies, malucos belezas, Raul Seixas, um dos reis do rock no Brasil. Marcelo D2 e a banda “Planet Hemp” cantaram para quem quisesse ouvir: “Porque não legalizar? Porque não legalizar? Estão ganhando dinheiro e vendo o povo se matar!”.

Quantas histórias conhecidas. Ministros tentaram plantar. Gil, ex da Cultura, teve um “probleminha” em Florianópolis, há 20 anos, por causa da “Santa”.

Carlos Minc, do Meio Ambiente, participou da marcha 2009, no Rio de Janeiro, e se manifestou totalmente favorável à legalização. Recentemente, o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso resolveu colocar o tema a ser debatido pela sociedade: “Precisamos acabar com o tabu que impede o debate”, afirmou.

Em outros países, como a Holanda, muitas espécies da ganja são vendidas em casas de café. Nos Estados Unidos, berço do imperialismo e da repressão, existem plantações oficiais, como na Califórnia, por exemplo, onde a planta é usada para fins medicinais em portadores de câncer.

Existem muitos lugares, onde a cultura do povo é forte e as tradições valem mais que as leis e a proibição não fez qualquer diferença.

As vozes não se calam! A Santa vai resistir!

Há alguns anos, nascida de discussões coletivas em encontros e em fóruns sociais mundiais, acontece a “Marcha da Maconha”, realizada em diversas cidades espalhadas pelo mundo. Durante as marchas, o uso e consumo legal da “cannabis sativa”, ou “maconha” são reivindicados. Como dizem alguns organizadores, “queremos acabar com a hipocrisia e discutir o consumo da maconha, que todos sabem que existe”.

Depois da realização de algumas marchas dentro do fórum social mundial, ficou decidido que maio seria o mês da luta unificada pela legalização da “maconha” em todo o mundo. Por conta disso, este ano, nas primeiras semanas de maio, milhares de pessoas em todo o planeta saíram às ruas, em mais de 300 cidades, para lembrar a luta política contra a proibição injusta que tornou ilegal o cultivo de plantas da espécie “Cannabis Sativa” em quase todos os países do mundo.

Em Lisboa, Portugal, aproximadamente 500 mil pessoas participaram da marcha. No Brasil, as manifestações aconteceram em 13 cidades, Goiânia, Fortaleza, Florianópolis, João Pessoa, Recife, Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Juiz de Fora, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Em Florianópolis, no dia 3 de maio, centenas de pessoas, a maioria jovens, se concentraram no Trapiche da Avenida Beira Mar Norte, para participar da “Marcha da Maconha”. Rostos pintados, fantasias, música e cartazes: “Plante seus direitos!” “Legalize já!” “Queremos plantar!”. Enquanto panfletos que dialogavam sobre o tema eram entregues a população, jovens com sorriso no rosto cantavam: “Eu sou maconheiro... com muito orgulho...com muito amor...”.

Numa tarde ensolarada e tranqüila, sem a presença sequer de uma viatura ou um soldado da Polícia Militar, cerca de 300 pessoas puderam manifestar seu direito de livre expressão. O que realmente não é comum em marchas e manifestações populares na capital catarinense e em todo o Brasil. Isso talvez porque todo o efetivo da PM estivesse concentrado no trabalho com a final do campeonato catarinense, no jogo de Avaí e Chapecoense, que acontecia na ressacada e com certeza oferecia muito mais perigo do que a marcha dos “maconheiros”.

A marcha seguiu firme entre olhares de desaprovação e sorrisos e aplausos e louvor. Percorreu uma boa parte da Beira Mar e, vez em quando, era sobrevoada por um helicóptero da PM, que somente animava a manifestação pacífica. Quando os manifestantes avistavam a aeronave erguiam os braços e gritavam sem parar: “Maconha! Maconha! Maconha!”. Depois de alguns quilômetros de marcha, já no começo da noite, os manifestantes se reuniram no Bar “Koxixos” e algumas bandas celebraram o final da tarde de luta. “Legalize já! Legalize já! Por que uma erva natural não pode te prejudicar”.

Foi uma tarde histórica. O objetivo da marcha: “Legalização!” talvez tenha avançado alguns passos importantes naquele dia. O diálogo, pelo menos, foi permitido. O debate sobre a legalização ganha bastante força em países vizinhos como o Argentina e o Uruguai, onde o tema entrou na disputa pelas eleições presidenciais. Manifestantes e organizadores da marcha esperam que no Brasil aconteça, e rápido, a descriminalização da maconha. Acabar com a marginalidade e o tráfico, que se envolveram com a história desta planta é um dos objetivos.

Agora, a marcha segue, é presente em todos os dias na vida dos que não quiseram se render às leis dos homens e lutam para que essa planta seja simplesmente livre. E, é claro, os homens também.

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